Friday, April 21, 2006

Libertas quae sera tamem


No dia 21 de abril de 1792, Joaquim José da Silva Xavier foi enforcado no Rio de Janeiro:
"(...) condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, (...) a que (...) seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto seja cortada a cabeça e levada à Vila Rica, onde no lugar mais público dela será pregada em um poste alto até que o tempo a consuma; o seu corpo será dividido em quatro quartos e pregados em postes pelo caminho de Minas (...) aonde o réu teve as suas infames práticas (...) até que o tempo também os consuma. Declaram ao réu infame, e infame seus filhos e netos (...), e seus bens (...) e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, e que nunca mais no chão se edifique, e não sendo próprias, serão avaliadas e pagas ao seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu."
-Autos da devassa da inconfidência Mineira. In: Silvia H. Lara. Pátria amada esquartejada. p. 19

Na derrocada do período colonial brasileiro, surgiam idéias de separatismo e de independência da metrópole portuguesa. Como sabemos, hoje se homenageia a morte de Tiradentes, o líder de um destes movimentos. Este homem, árduo defensor do iluminismo e das idéias proferidas pela independência das treze colônias em 1776 foi considerado, no final do séc. XIX no Brasil como sendo o grande herói nacional. Convenientemente, neste época ele já estava morto, e não causava mais nenhum risco ao governo atual, além de despertar um patriotismo cego e mal-informado no povo brasileiro.

Falemos um pouco sobre a Inconfidência Mineira, o movimento de independência que foi rechaçado com a fúria que vocês leram no trecho acima: Nos anos derradeiros do século XVIII, as idéias Iluministas permeavam todos os centros acadêmicos da Europa e absolutismo estava com seus dias contados, já que a Revolução Francesa atingia seu auge. Do outro lado do Oceano Atlântico, rebeldes haviam decidido que deveriam tomar decisões sobre suas próprias colônias, e passaram a disputar lutas sangrentas com a grande Inglaterra por este direito. Estas conseqüências do século das luzes acabaram por modificar o mundo de diversas formas, obtusas e sutis. As mais obtusas foram as formações de repúblicas, a queda de reis, e o nascimento dos Estados Unidos da América. As modificações sutis, entretanto, vieram na forma de influências intelectuais sobre as pessoas que moravam em lugares mais distantes do centro político e econômico do planeta naqueles tempos (i.e., a Europa).

E é neste contexto que se encaixa o Brasil. Éramos considerados o backwater do mundo, onde portugueses renegados vinham terminar seus dias ou passar férias. Entretanto, em Minas Gerais, havia grande abundância de ouro no solo. Este ouro acabou por fazer duas coias: Os moradores de Vila Rica (Ouro Preto, hoje em dia) eram, de um modo geral, bastante ricos, o que os permitia mandar seus filhos para estudarem em renomadas faculdades no Mundo Velho. A outra conseqüência é que a Coroa Portuguesa olhava para Minas Gerais com ganância, e por isso instituiu pesados impostos sobre a população (o mais famoso destes, a derrama, foi o que desencadeou a conspiração dos inconfidentes). Tiradentes, e muitos de seus conhecidos, foram portanto educados na Europa, e trouxeram de lá o que havia de mais moderno nos campos da filosofia e sociologia. Entretanto, quando se depararam com o sistema antiquado e colonial que governava o Brasil, somado com o abuso tributário a qual Minas Gerais estava submetida, estes homens ficaram revoltadíssimos e decidiram começar a espalhar um grito de independência, sempre por baixo dos meios convencionais, para escapar de julgamentos. Eles pregavam a criação de um estado independente, com capital em São João del Rei, a exploração dos recursos minerais brasileiros para benefĩcio interno, e a construção de uma Universidade. Escritores famosos da época, como o mais renomado Tomás Antônio Gonzaga, e o poeta Cláudio Manoel da Costa, foram rápidos a aderir a esta idéia. Entretanto, por causa de uma traição de dentro da conspiração, seus membros foram julgados e condenados, alguns à forca e alguns à prisão perpétua. O lema da inconfidência, "Libertas quae sera tamem" significa "Liberdade, ainda que tardia", e estaria inscrito na bandeira do país que eles pretendiam formar.

Hoje em dia, Tiradentes é visto como um grande herói nacional, mas somente por que ele está seguramente morto há mais de duzentos anos. Nós com certeza não vivemos em um estado onde os ideiais da inconfidência sejam adotados, e se surgisse outro Joaquim hoje em dia, o governo seria rápido em modificar suas idéias sobre o 21 de Abril (se isto tivesse acontecido 30 anos atrás, eu seria incapaz de falar os horrores aos quais os revolucionários seriam submetidos (alguém aqui _sabe_ como estava o Brasil 30 anos atrás?!))

O que quero dizer é que Tiradentes era um revolucionário verdadeiro, e seu movimento era um de independência genuína. Isto não aconteceu com o Brasil. Por mais cruel que isso possa parecer, algum sangue tem que ser derramado quando uma colônia rompe laços com a metrópole que a controlara. Isto porque, caso contrário, todos os interesses dos governantes anteriores seriam mantidos, e a mudança para o povo da colônia seria completamente irrisória (foi exatamente o que aconteceu no Brasil).

Se festejássemos a independência dia 21 de Abril, e não 7 de Setembro, acredito que nosso país estaria em uma situação muito diferente. Haveria corrupção e haveria miséria, com certeza, mas talvez não neste estado de total impunidade que presenciamos hoje. No mais, eu não concordo explicitamente com os ideiais da Inconfidência Mineira, ou da Conjuração Baiana, ou sequer da Revolução Farroupilha; acredito, entretanto, que qualquer uma destas seria melhor do que o que temos hoje, ou seja, nada. Tiradentes com certeza não era perfeito, e sua posição como herói nacional faz com que muitos fatos de sua vida sejam escondidos pela euforia generalizada, mas acredito que se tivermos que escolher alguém para depositar nossas esperanças de um futuro melhor, com certeza é nele. Pena que ele está morto há mais de dois séculos... que conveniente, não?
--- Seção "Do dia" ---

Denunciando os pequenos absurdos:
Música do dia:
Yes - Somehow, Someday
Piada do dia:
Fato imbecil do dia:
Frase do dia:
"You can lead, you can follow, or you can get out of the way."

3 Comments:

Blogger Adriana PS said...

O que aconteceu com o fato absurdo? Nenhum fato absurdo ultimamente? :) Que maravilha

8:39 PM  
Blogger Luiz Scheidegger said...

heheh eh que eu fiquei em casa o dia todo, entao nao vi nada particularmente revoltante... mas se tu quiser, teve um cardeal, Carlo Maria Martini (brasileiro) defendeu o uso de camisinha _por casais casados_

http://jornalnacional.globo.com/Jornalismo/JN/0,,AA1182696-3586,00.html

you can draw your own conclusions from there

9:20 PM  
Blogger Eduardo said...

Interessante... Essa semana mesmo, em um seminário aqui, eu estava falando - entre outras coisas - sobre o problema da ignorância geral que nós Brasileiros temos no que diz respeito à nossa história colonial. Acho que devemos reavaliar diversos tópicos que dizem respeito à nossa formação de identidade dentro daquele período...

Só não sei se as coisas estariam realmente diferentes hoje se nossa independência tivesse acontecido dentro daquele contexto.

Belo blog, parabéns.

9:28 PM  

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